Covardia no sertão do Seridó
A morte de Octávio Lamartine que Acari reverbera e o Seridó não esquece.
Em 13 de fevereiro de 1935, morria assassinado o engenheiro Octávio Lamartine Monteiro de Faria, filho de Juvenal Lamartine de Faria, ex-governador do estado do RN e Silvina Bezerra de Araújo Galvão. Octávio Lamartine era um notável engenheiro agrônomo formado na Escola Superior da cidade de Lavras-MG e pós-graduado nos Estados Unidos. Pioneiro na direção dos campos experimentais de algodão mocó do Seridó, dirigiu a Estação Experimental de Cruzeta, o Campo de Bulhões, em Acari e foi diretor do Serviço de Algodão do Rio Grande do Norte. Dotado de talento para as Letras e para a Ciência, além de ter forte pendor para a liderança e grande devoção às coisas da sua terra, o Seridó, foi assassinado por motivos de disputas políticas da época, mesmo sem estar diretamente envolvido nelas.
Corriam os anos da Revolução de 1930 e pairava um clima politicamente hostil de crescente tensão, com ocorrências de conflitos violentos aqui e ali envolvendo grupos políticos rivais em todo o Rio Grande do Norte e no Seridó. De um lado o Interventor Mário Câmara com seus comandados, alinhados ao grupo político de Café Filho e do outro; Juvenal Lamartine, deposto do governo do RN e exilado do país (na França) pela Revolução e os seus correligionários em solo potiguar e seridoense, os perrepistas. Era o ano de 1934 e a disputa eleitoral daquele período, segundo especialistas, foi o mais conturbado, radical e violento da história do Rio Grande do Norte.
O Jornal perrepista “ A Razão” publicara uma grave ofensa ao interventor Mário Câmara e, após isto, este nomeara para delegado de Parelhas o Tenente Oscar M.Rangel dando-lhe carta branca para agir livremente e cometer absurdos com intuito de enfraquecer o Partido Perrepista a fim de impedir a eleição de Rafael Fernandes. Antes
disso, porém, no ano de 1928, o Tenente Joaquim de Moura, comandante da Polícia do Estado, invadira a casa de Café Filho com quarenta homens e mesmo com a ausência dele, estes cometeram atos de vandalismo contra seus familiares. Café Filho e Juvenal Lamartine eram inimigos políticos e pessoais.
E no calor dessas desavenças, intrigas e agressões eis que alguém que não tinha nenhuma ligação direta com tais ocorrências foi injustamente atingido: Na tarde do dia 13 de fevereiro do ano de 1935, Octávio Lamartine estava em
sua casa, na fazenda do sítio Ingá, Acari, com a sua esposa Maria Dinorah Cavalcante Lamartine de Faria e seus filhos. Tinha acabado de chegar do campo onde tinha ido cuidar de uma vaca parida e descansava ainda trajando as vestes de vaqueiro quando a volante chegou. Avisado com antecedência por amigos do perigo que corria, mesmo
assim não quis deixar a sua propriedade e se precavera legalmente: portava consigo um Habeas Corpus expedido pelo Desembargador Tomaz Salustino, juiz da Comarca em Currais Novos prevenindo-se contra qualquer arbitrariedade e se fiara nele. Ocorre que o delegado Tenente Oscar Rangel escalou o cabo José Galdino na volante para a missão na casa do Dr. Octávio na fazenda Ingá, em Acari. Partiu a volante com onze homens e lá chegando, o Tenente avistando-o dá voz de prisão, mas Octávio Lamartine estabelece uma breve conversa com ele e lhe apresenta o Habeas Corpus. Porém, aquele, após ter lido o documento e mesmo estando ciente, desrespeita as leis e ordena a sua tropa para abrir fogo sobre o homem desarmado. Segundo o pesquisador Adauto Guerra no seu livro: “ O Seridó na Memória do seu Povo”, foi o cabo Zé Galdino quem primeiro disparou “… uma sequência de tiros…” Dona Dinorah corre ao encontro do marido a tempo de ouvir dele as seguintes palavras: “Dinorah! Meus filhos!” ( Adauto Guerra página, 125).
Cabo Zé Galdino fora empregado do Cel. João Pereira, pai de Chico Pereira, o cangaceiro assassinado pelo Tenente Joaquim Moura, a mando do governador Juvenal Lamartine em 1928 em Currais Novos, motivo pelo qual Juvenal acusara Abdias, irmão de Chico Pereira, pela culpa do assassinato do seu filho Dr. Octávio. Seria mesmo este um caso de vingança da família do cangaceiro Chico Pereira contra o ex-governador Juvenal Lamartine? Ou como muitos defendem, apenas mais um capítulo das rixas políticas acirradas e violentas daquela época entre o grupo revolucionário de Café Filho e Mário Câmara em disputa política contra os Perrepistas? Isto é uma outra longa
história, caso para um outro artigo. Fato é que, infelizmente Octávio Lamartine morria injustamente e o Seridó
perdia um de seus filhos mais brilhantes, futuro promissor para benfeitoria da região, pois era um jovem inteligente, capaz, preparado com base acadêmica boa e sólida; além do mais era um homem de espírito público apto a servir seu povo, tendo dado mostras disso, por exemplo ao ceder parte dos seus próprios proventos para as escolas rurais locais. Ele que aqui chegou e muito bem trabalhou nos campos experimentais de algodão do Seridó para modernizar e alavancar mais ainda a produção daquela que fora a maior riqueza do Nordeste, o algodão mocó, o ouro branco do sertão.
Requiescat in pace, saudoso Octávio Lamartine!
Por: Damião Silva
Fontes: “O Seridó na Memória do seu Povo – Adauto Guerra Filho”/ “ Do Seridó que a gente ama. – Fernando Antonio Bezerra”